sábado, 18 de junho de 2011

TJ-RJ afirma que descumprir norma processual penal nem sempre é causa de nulidade

A 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou dois ex-policiais civis, Odinei Fernandes da Silva, conhecido como "Zero Um", e Davi Liberato de Araújo, ou "Zero Dois", a 20 anos de prisão por tortura, roubo e quadrilha armada. Em maio de 2008, eles sequestraram e torturaram equipe do jornal O Dia na favela do Batan, no oeste do estado, que apurava a notícia de envolvimento de policiais em uma milícia na comunidade.
Os ex-policias apelaram da sentença em que foram condenados a 31 anos de prisão, pedindo que a instrução penal fosse declarada nula por violação ao artigo 212 do Código de Processo Penal. Tal artigo foi alterado pela Lei 11.690/2008 e hoje determina que as perguntas às testemunhas devem ser feitas diretamente pelas partes. Antes, as perguntas eram pedidas ao juiz, e feitas por ele às testemunhas.
O desembargador relator Geraldo Prado considerou que quando a sentença foi prolatada, a Lei 11.690/2008 havia entrado em vigor recentemente, e nesse contexto, é compreensível que o juiz tenha se recusado a atender o novo artigo 212. "E isso é perfeitamente justificável num país em que o controle difuso de constitucionalidade, que dá poderes aos juízos monocráticos para deixarem de aplicar normas que considerem inconstitucionais, possui grande relevância: a quem está acostumado a trabalhar com uma lógica inquisitiva é compreensível que utilize esse poder para afastar a cultura acusatória que começa a permear a legislação", observou.
Segundo Prado, essa mudança legal significou uma verdadeira inversão completa dos princípios processuais brasileiros de um sistema inquisitivo para um acusatório e "é compreensível que o lastro cultural da legislação anterior necessite de um período de adaptação à nova realidade legal". O sistema acusatório é caracterizado pela distribuição das funções de acusar, defender e julgar. O inquisitivo, pelo contrário, a união delas na pessoa do juiz.
Esse entendimento o fez declarar que a nulidade da inquirição de testemunhas, feita pelo método antigo, naquela época, é na verdade relativa, e não absoluta. Como é próprio das nulidades relativas, ela não pode ser alegada a todo momento, e não tendo sido feita nas alegações finais da defesa, não pode ser acolhida na Apelação.
A denúncia relata que três funcionários do jornal ficaram durante sete horas nas mãos dos policiais, que procuravam obter informações sobre a apuração da equipe de reportagem na favela. Eles estavam há duas semanas disfarçados de moradores na região.
O desembargador considerou que a prova oral produzida no processo é suficiente para confirmar os fatos principais: tortura, roubo e formação de quadrilha. "Como as vítimas conheciam os condenados, desprezar a palavra delas impunha demonstrar relevantes motivos para que mentissem a respeito de fatos tão graves. E esta contraprova não foi feita".
Ele deixou claro que não era o caso de falsa memória, como alegado pela defesa dos ex-policiais, porque "a falsa memória presume contato rápido e superficial entre as pessoas envolvidas nos eventos. No caso, as vítimas conheciam bem os acusados, com quem conviveram bastante durante duas semanas e em poder de quem ficaram por mais de 7 horas no dia dos crimes".
Quanto à tortura, o desembargador reconheceu que as vítimas não passaram por exame de corpo de delito porque só comunicaram os fatos à Polícia 13 dias depois de terem acontecido, "e mesmo assim só o fizeram depois de vencer fortíssima resistência". Contudo, observou que, além da tortura física, elas "foram submetidas a extraordinário sofrimento mental".
Geraldo Prado considerou que os jornalistas foram mantidos em cativeiro, por mais de 10 agentes com vantagem estratégica e constantemente ameaçados de asfixia, roleta russa e empalamento. "O sofrimento mental implicado pela tortura psicológica não é capaz de deixar à vista esses elementos físicos ou sensíveis, de sorte que a ausência de laudo com a finalidade de comprová-lo não viola o artigo 158 do Código de Processo Penal [que exige laudo quando a infração deixa vestígios]", declarou.
Sobre a identificação do grupo, Prado disse que "a tranquilidade com que agiram os mais de dez criminosos em uma região densamente povoada, sequestrando as vítimas à frente de outras pessoas sem que elas tivessem coragem de noticiar o crime, demonstra a existência de uma sociedade criminosa estável e confiante em seu domínio territorial".
Concursos
A apelação dos policiais foi concedida em parte pelo desembargador, no que diz respeito ao cálculo da pena pelo concurso dos crimes. O juiz havia entendido que o caso era de somar as penas de cada crime por reconhecer desígnios autônomos neles. Para o desembargador, no caso houve um só desígnio: ter acesso às "provas da reportagem" e evitar a acusação.
Por conta disso, ele determinou que o caso é de concurso formal simples, e, por isso, as penas não devem ser somadas, mas a mais grave, de tortura, de seis anos de reclusão deve ser aumentada pela metade, totalizando 9 anos.
Considerando que o concurso de agentes e de crimes no roubo também foram comprovados, o juiz aumentou a pena-base do crime em 2/5,e em 1/6, respectivamente, totalizando oito anos e dois meses de reclusão e 18 dias-multa. Quanto à formação de quadrilha, condenou-os a três anos de reclusão.
Somados os três crimes, cada um dos acusados foi condenado a 20 anos e dois meses de reclusão e 18 dias-multa.


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