As decisões do STJ - que é o tribunal superior com competência infraconstitucional para decidir os últimos recursos contra julgados das cortes estaduais e dos TRFs - têm contribuído para firmar a jurisprudência nas ações que enfrentam variados desdobramentos relacionados com o HIV.
Veja alguns dos precedentes rememorados ontem (26) no saite da corte.
Erros em diagnósticos
* No julgamento do Recurso Especial nº 1.071.969, os ministros da 4ª Turma condenaram o Instituto de Hematologia do Nordeste (Ihene) a indenizar por danos morais um doador de sangue. Após doação realizada em outubro de 2000, o laboratório informou ao doador erroneamente que ele estaria infectado pelo vírus HIV e HBSAG, da hepatite B.
* No Agravo de Instrumento nº 1.141.880 foi condenado o Município de Campos dos Goytacazes (RJ) a indenizar por dano moral uma mulher que também foi diagnosticada erroneamente como soropositivo quando estava grávida. Ela e o filho recém-nascido foram submetidos a tratamento para aids, com uso de medicamentos fortes, antes que o engano fosse descoberto.
* Também por diagnóstico errado para HIV positivo, a Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo pagou uma indenização a um trabalhador. Para a 3ª Turma do STJ, a instituição que emite laudo sobre o vírus da aids sem ressalva quanto à falibilidade da conclusão, tem de se responsabilizar se houver uma falha no resultado (Ag nº 448.342).
Só depois da separação a descoberta de que o ex-marido era aidético
* Em um julgamento que teve grande repercussão na 3ª Turma, os ministros obrigaram o ex-marido a pagar indenização por danos morais e materiais à ex-esposa por ter escondido o fato de ele ser portador do vírus HIV.
No caso, a ex-esposa abriu mão da pensão alimentícia no processo de separação judicial e, em seguida, ingressou com ação de indenização alegando desconhecer que o ex-marido era soropositivo. Para tanto, argumentou que só tomou conhecimento da situação no ato da separação judicial e que requereu a produção de provas para sustentar sua alegação.
A ação foi declarada improcedente em primeira instância e posteriormente anulada em recurso que permitiu às partes a produção das provas requeridas. O TJ de Minas Gerais entendeu que houve cerceamento de defesa e que a produção da prova requerida não lhe pode ser negada. No recurso interposto no STJ, a defesa do ex-marido alegou ser juridicamente impossível o pedido de ação de indenização por conduta faltosa do cônjuge durante o casamento. Alegou ainda, entre outras questões, que a renúncia dos alimentos na ação de separação implica coisa julgada, obstruindo o pedido de indenização por fatos ocorridos durante o casamento.
O julgado do STJ destacou que o pedido de alimentos não se confunde com pedido indenizatório e que a renúncia a alimentos em ação de separação judicial não gera coisa julgada para ação indenizatória decorrente dos mesmos fatos que, eventualmente, deram causa à dissolução do casamento. “O artigo 129 da Lei do Divórcio trata de pensão alimentícia, que não tem qualquer relação com o pedido indenizatório por ato ilícito” - referiu o acórdão.
Indenização a sucessores.
* Caso a vítima de dano moral já tenha morrido, o direito à indenização pode ser exercido pelos seus sucessores. A 1ª Turma do STJ reconheceu a legitimidade dos pais de um doente para propor ação contra o Estado do Paraná em consequência da divulgação, por servidores públicos, do fato de seu filho ser portador do vírus HIV.
Segundo o relator do processo, ministro José Delgado, se o sofrimento é algo pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores.
Portador contra União
* No julgamento do REsp nº 220.256, a 1ª Turma manteve decisão que entendeu que cidadão contaminado pelo vírus da aids em transfusão de sangue deve entrar com ação individual de indenização contra a União.
A questão começou quando o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública para condenar a União a adotar medidas para tornar eficaz a fiscalização e controle da qualidade de sangue e hemoderivados. Pretendia, ainda, que fossem indenizados todos aqueles que foram contaminados pelo HIV por meio de transfusões realizadas em quaisquer estabelecimentos do país.
O relator do processo, ministro José Delgado, não reconheceu a legitimidade do MPF para instaurar a ação e manteve decisão do TRF da 3ª Região. O julgado concluiu que a ação civil pública não é cabível para amparar direitos individuais nem para reparar prejuízos causados por particulares.
Plano de Saúde
* No julgamento do REsp nº 650.400, a 4ª Turma entendeu que não é válida a cláusula contratual que excluiu o tratamento da aids dos planos de saúde. Assim, foi reconhecido o direito de um beneficiário a ter todos os gastos com o tratamento da doença pagos pela Amil.
O julgado concluiu que é abusiva a cláusula que afasta o tratamento de doenças infectocontagiosas de notificação compulsória, a exemplo da aids. O acórdão destacou que a Lei nº. 9.656/1998 instituiu a obrigatoriedade do tratamento de enfermidades listadas na classificação estatística internacional de doenças e que a aids encontra-se nessa relação.
* A 3ª Turma também se posicionou sobre o assunto. No REsp nº 244487, foi declarada nula a cláusula de contrato de seguro-saúde que excluiu o tratamento da aids. O colegiado reconheceu o direito de uma aposentada a ser ressarcida pela seguradora das despesas que foi obrigada a adiantar em razão de internação causada por doenças oportunistas.
* Em outro julgamento, a 4ª Turma manteve decisão que condenou a Marítima Seguros a conceder tratamento médico ao marido de uma mulher, custeando as despesas decorrentes de infecções e doenças desenvolvidas em razão do vírus da aids.
No caso, a seguradora tentava reverter decisão de segunda instância que a condenou ao pagamento das despesas médicas do paciente portador do HIV. Para tanto, afirmou que a esposa sabia do avançado estágio da doença do marido, o que seria razão suficiente para aplicar a pena de perda do seguro.
O relator do processo foi o ministro Ruy Rosado, para quem "se a seguradora, interessada em alargar seus quadros de segurados, não examina previamente os candidatos ao contrato, não tem razão em formular restrições decorrentes de sua omissão".
Fornecimento de medicamentos
* O Estado é obrigado, por dever constitucional, a fornecer gratuitamente medicamentos para portadores do vírus HIV e para o tratamento da aids. E essa obrigação não se restringe aos remédios relacionados na lista editada pelo Ministério da Saúde.
Uma decisão da 1ª Turma rejeitou o recurso do Estado do Rio de Janeiro contra portadores do vírus que solicitavam remédios não constantes da lista oficial. Sete portadores do vírus HIV entraram com uma ação contra o Estado.
Isenção de Imposto de Renda
* Ao julgar o REsp nº 628.114, a 2ª Turma garantiu à viúva de um militar do Exército o direito à isenção de imposto de renda sobre a pensão que recebe do Ministério da Defesa, em razão da morte do marido.
O julgado concluiu que ela demonstrou suficientemente, na forma exigida pela lei, ser portadora de aids, fazendo jus, portanto, à pretendida isenção.
Amparo assistência
* Em 2002, em um julgamento inédito, a 5ª Turma concluiu que o portador da aids faz jus ao pagamento pelo Instituto Nacional de Seguridade Social do benefício de prestação continuada: a garantia de um salário-mínimo mensal ao portador de deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais que comprovem não possuir condições de manter-se por si mesmo ou por intermédio de sua família.
No caso, o INSS buscava eximir-se de pagar o auxílio, instituído pela Lei nº . 8.742/1993 (Lei Orgânica da Previdência Social) e regulamentada pelo Decreto nº. 2.172/1997, que definiu o regulamento dos benefícios.
FGTS para tratamento
* O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço pode ser sacado pelo titular para custear tratamento de criança portadora do vírus HIV, sua dependente. A decisão foi da 2ª Turma, que no REsp nº 560.723 manteve decisão da Justiça Federal de Santa Catarina, garantindo à mãe da criança sacar o valor para o tratamento de sua filha.
Conforme o julgado, é possível o levantamento dos valores depositados nas contas vinculadas de FGTS para o tratamento de familiar portador do vírus HIV, tanto quanto se o tratamento for para o titular da conta. Até mesmo em relação ao PIS, o entendimento do STJ é o de que nada impede o levantamento do saldo para tratamento de doença letal.
* Em outro julgamento (REsp nº 249.026), a 2ª Turma concluiu que portador do vírus da aids tem direito à antecipação de diferenças de atualização dos depósitos realizados em sua conta vinculada ao FGTS.
No caso, a Caixa Econômica Federal tentava suspender decisão do TRF da 3ª Região que concedeu a tutela antecipada a portador do vírus HIV, já sob cuidados médicos, para receber diferenças de correção dos depósitos, levando-se em conta os expurgos inflacionários dos planos Verão e Collor I e II, de janeiro de 1989, abril e maio de 1990 e janeiro e fevereiro de 1991, respectivamente.
O julgado do STJ entendeu ser impertinente o argumento da CEF de que a doença do autor nada tinha a ver com as possibilidades do saque do FGTS, porque a Lei nº. 7.670/1988, que concede benefícios aos portadores da aids, possibilita-lhes expressamente o levantamento do FGTS, independentemente da rescisão contratual.