Des. Rel. Paulo Roberto Lessa |
Parentes de servidor vítima de trânsito têm o direito de receber indenização do município, desde que se prove que o funcionário se deslocava por necessidade de serviço, não importando se o veículo acidentado era da prefeitura ou de terceiro. Com este entendimento, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou recurso do município de Caxias do Sul (RS), condenado em primeira instância a indenizar os dois filhos de uma servidora que morreu enquanto se dirigia para a coleta de exames laboratoriais.
Conforme acórdão, a mãe dos autores da ação era servidora pública de Caxias do Sul, na Serra gaúcha, e exercia a função de técnica de enfermagem junto à rede pública de saúde. Chamada a coletar material para análise na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Vila Seca, localizada na zona rural e de difícil acesso, a técnica pegou carona no carro da médica de um laboratório, que prestava serviços na unidade. No trajeto de ida, por volta das 7h50min, o Santana da médica colidiu com uma camionete. Neste acidente, ocorrido na RST-453, seis pessoas ficaram feridas – e a técnica veio a falecer.
Os dois filhos da servidora, por meio de seus procuradores, ingressaram em juízo, pedindo indenização a título de danos morais pelo acidente que a vitimou. Como os autos do processo comprovaram o dano e o nexo de causalidade, já que o município não forneceu o transporte necessário ao desempenho da atividade, restou evidente a obrigação de indenizar.
O juiz Franklin de Oliveira Netto condenou a municipalidade ao pagamento de 200 salários mínimos a cada um deles. O julgador entendeu que a culpa do município residiu, especificamente, na circunstância de não ter proporcionado transporte à funcionária até o local indicado para buscar os exames.
Inconformada com a derrota na primeira instância, a prefeitura recorreu ao Tribunal de Justiça. Entre outras razões, alegou que a médica que deu carona não conduzia veículo oficial e nem dirigia a serviço do município. Argumentou que, se o município estivesse promovendo o transporte da servidora falecida, com veículo próprio ou mediante fretamento, até poderia se cogitar a responsabilização. Porém, alegou, ocorreu a “mera eleição” da vítima por um veículo particular, que não tinha nenhuma relação com o ente municipal. Assim, defendeu a inexistência de nexo causal entre o fato ocorrido e qualquer ato praticado pelo município, devendo ser julgada improcedente a ação.
O relator do recurso, desembargador Paulo Roberto Lessa Franz, disse que a apelação não merecia prosperar. Para evitar redundância, citou excertos do parecer da procuradora de Justiça Maria de Fátima Dias Ávila, usando-os como parte das razões de decidir:
‘‘Diante da necessidade e da urgência, a vítima viu-se obrigada a deslocar-se com o veículo do laboratório que, como terceirizado, era o responsável pela execução das análises no material coletado no posto, o qual era conduzido pela médica preposta da entidade. Note-se, dessa forma, que o motivo do deslocamento foi a execução do serviço público, ainda que realizado a cargo do laboratório terceirizado, para a realização dos exames nos pacientes atendidos naquela Unidade de Saúde.’’
Conforme a procuradora, a omissão do poder público levou ao que se pode chamar de acidente in itinere (durante o itinerário). Analisando o mérito, explicou que, nos termos do disposto no artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição, o trabalhador acidentado tem direito - além do seguro e vantagens do sistema previdenciário - à indenização civil decorrente dos danos do infortúnio, pelos quais responde o empregador, quando incorrer em dolo ou culpa. Por sua vez, são pressupostos da obrigação de indenizar a ação ou omissão do agente, culpa, nexo causal e dano, nos termos do disposto no artigo 186 do Código Civil de 2002.
Segundo o parecer da procuradora, para que fique caracterizada a responsabilidade do empregador, conforme tem reiterado a doutrina e a jurisprudência, é necessário que este tenha agido com culpa, ainda que leve, no acidente. Somente a ausência total de culpa do empregador o isentará da responsabilidade, ou se ficar demonstrado que o fato ocorreu por culpa exclusiva da vítima, em caso fortuito ou força maior - ou por fato exclusivo de terceiro.
‘‘Caso o transporte tivesse sido providenciado pela entidade empregadora, a vítima não se veria na contingência de depender de terceiros para chegar ao local de trabalho, e o acidente teria sido evitado’’, concluiu a procuradora em seu parecer.
Quanto ao arbitramento do valor da indenização por danos morais, o desembargador Franz ponderou que o julgador pode utilizar o salário mínimo como medida. No entanto, deve indicar ‘‘o montante da condenação em termos monetários, com algum critério de atualização, até a data do efetivo pagamento, tendo em vista a disposição expressa do inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, que veda a vinculação do salário mínimo, para qualquer fim’’.
Como esta vedação constitucional não foi observada pelo julgador de primeiro grau, o relator explicitou a sentença neste aspecto, ‘‘tão-somente para determinar que o cálculo deve partir do valor de R$ 93 mil, correspondente a 200 vezes o salário mínimo na data de sentença (14 de outubro de 2009)’’.
A correção monetária irá incidir também a partir data da sentença, e os juros de mora, a partir do dia do acidente. O voto do relator foi acompanhado, à unanimidade, pelos demais integrantes da 10ª Câmara Cível.
Clique aqui para ler o acórdão.
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