Min. Ceslo de Mello |
Impedido de participar do Curso de Formação de Sargentos da Polícia Militar em decorrência de uma Ação Penal, um cabo conseguiu, no Supremo Tribunal Federal, o direito de participar do treinamento. “O postulado constitucional da presunção de inocência impede que o Poder Público trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível”, escreveu o ministro Celso de Mello, relator do Recurso Extraordinário levado ao órgão pelo Distrito Federal.
O ministro levou em conta que a recusa administrativa em questão, motivada pela simples existência do procedimento penal, sem o trânsito em julgado, transgride o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. O dispositivo estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O pedido do Distrito Federal tentou reverter acórdão do Tribunal de Justiça estadual, que classificou a atitude da PM como “ilegal”. No Recurso Extraordinário, o ente federativo lembrou que a corporação é regida “pelos princípios da hierarquia, da disciplina e da proteção do ordenamento jurídico”.
De acordo com o Distrito Federal, “o registro de inquéritos e/ou ações penais pendentes em nome do candidato, mesmo que ainda não haja condenação transitada em julgado, constitui, evidentemente, fato desabonador de uma conduta que se pretende moralmente idônea, suficiente a impedir a ascensão na carreira policial militar”.
Celso de Mello foi claro: a pretensão do Distrito Federal vai contra a presunção constitucional de inocência, que é “essencial a qualquer cidadão”. A controvérsia, aponta, já foi sanada pelo Supremo, onde as duas turmas reconheceram a aplicação do princípio no âmbito da Administração Pública.
“A presunção de inocência”, disse ele, “representa uma notável conquista histórica dos cidadãos, em sua permanente luta contra a opressão do poder”. Em suas palavras, o instituto surgiu como meio de limitar o poder do Estado, “qualificando-se como típica garantia de índole constitucional, e que também se destina ao indivíduo, como direito fundamental por este titularizado”.
Por isso, acredita o ministro, somente com o trânsito em julgado da condenação “deixará de subsistir, em favor da pessoa condenada, a presunção de que é inocente”. Ele acrescentou: “antes desse momento, o Estado não pode tratar os indiciados ou réus como se culpados fossem”.
Celso de Mello mencionou a obra de Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli, Direito Penal – Comentários à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Os autores, ao traçarem um panorama histórico sobre a presunção de inocência, lembram que ela existe desde 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
A dupla estabelece duas regras que regem o princípio: a de tratamento e a probatória. A primeira determina que “o acusado não pode ser tratado como condenado antes do trânsito em julgado final de sentença condenatória” e que “o acusado tem o direito de ser tratado como não participante do fato imputado”.
Segundo o relator do Recurso Extraordinário, o princípio consagra “a segurança jurídica, que traduz, na concreção de seu alcance, valor de transcendente importância política, jurídica e social, a representar um dos fundamentos estruturantes do próprio Estado Democrático de Direito”.
Clique aqui para ler a íntegra do voto de Celso de Mello no RE 565.519.
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