Juízo deve ter o significado de vara judicial e não de comarca, em respeito à garantia do direito social ao trabalho, previsto na Constituição Federal (artigos 5º, inciso XIII, e 6º), dos princípios da dignidade humana, da livre iniciativa e do Estado Democrático de Direito, sob pena de retrocesso social. Com esse entendimento, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, de forma unânime, manteve decisão que garantiu à magistrada aposentada Maria Luíza Póvoa Cruz o direito de advogar na comarca de Goiânia em uma ação de interdição movida por um filho em desfavor da mãe.
Maria Luíza é advogada da mãe da outra parte, que contestou seu impedimento para o exercício da advocacia na referida comarca em razão de não ter completado três anos de aposentadoria, a denominada “quarentena”.
A câmara seguiu voto do desembargador Hélio Maurício Amorim, mantendo decisão da juíza Sirlei Martins da Costa, da 3ª Vara de Família de Goiânia.
Na ação, o autor alegou que Maria Luíza não poderia exercer a advocacia na comarca de Goiânia devido à vedação estabelecida pelo artigo 95 da Constituição Federal (parágrafo único, inciso V). O dispositivo veda aos juízes, antes de três anos de afastamento, o exercício da advocacia no juízo ou tribunal do qual se distanciaram.
Contudo, a juíza Sirlei da Costa entendeu que essa proibição se refere somente ao juízo do qual a magistrada se afastou (no caso 2ª Vara de Família de Goiânia), e não a toda a comarca.
Ao negar provimento a Agravo de Instrumento interposto contra a decisão singular, o desembargador Hélio Amorim relembrou como surgiu a chamada "quarentena de saída". "Apesar da sua importância, a denominada quarentena não foi fruto de um estudo acurado sobre seus efeitos e implicações, exigindo, assim, uma abordagem proficiente a fim de se evitar eventuais aplicações desarrazoadas de uma norma restritiva", pontuou. "O mais proporcional e razoável é dar ao termo 'juízo' a significação de vara e não de comarca, em respeito à garantia social ao trabalho que integra o mínimo existencial imprescindível a uma vida humana digna, cujo desrespeito caracteriza-se em verdadeiro retrocesso social", explicou.
“A migração da magistrada para a advocacia terá reflexos positivos em todos os sentidos, sendo injustificável estender essa proibição para toda a comarca como pretende o agravante, sob pena de ofensa aos princípios essenciais do Estado Democrático de Direito relativo aos valores sociais do trabalho, livre iniciativa e dignidade da pessoa humana”, esclareceu.
O relator lembrou ainda que as normas processuais vigentes já estabelecem situações em que os magistrados devem se declarar suspeitos ou impedidos de atuarem em determinados processos (Código de Processo Civil, artigos 134/138). “Por esse motivo presumir uma parcialidade positiva ou favorável do magistrado condutor do feito pelo simples fato de o advogado de uma das partes ser juiz aposentado há menos de três anos não é plausível”, asseverou.
Citando vários dispositivos do CNJ, o requerente sustentou que, por estar cumprindo a quarentena já que se aposentou em 13 de agosto de 2010, Maria Luíza estaria impedida de advogar na comarca de Goiânia. No entanto, o desembargador Helio Amorim enfatizou que, além de ter natureza meramente administrativa, a decisão do CNJ deixa claro que o juiz é impedido de advogar na comarca de única vara ou na vara da comarca que tenha outras varas.
“Na comarca de Goiânia, em que existem várias varas, é óbvio que o magistrado pode advogar em todas, exceto naquela que presidiu, e também no tribunal. O citado do CNJ é cristalino nesse sentido. É preciso lembrar ainda que a palavra final sobre o assunto é do Poder Judiciário, pois a decisão do referido órgão é somente administrativa, ou seja, jamais poderá sobrepor a judicial em razão do sistema de jurisdição única adotado no Brasil”, esclareceu.
Primeira instância
Na decisão, proferida em 16 de fevereiro deste ano, a juíza Sirlei Martins entendeu que a vedação do exercício da advocacia por magistrado aposentado em toda uma comarca é irrazoável e inconstitucional, uma vez que Goiânia, por exemplo, possui numerosa população e inúmeros juízos, além de configurar uma restrição de direitos, como ao exercício de profissão.
Entendimento semelhante foi manifestado pelo juiz Ricardo Teixeira Lemos, da 7ª Vara Cível de Goiânia, em 11 de abril, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público de Goiás. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-GO.
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