Embora o empregador seja livre para dispor dos cargos comissionados, ele não pode tirar do empregado uma gratificação recebida há 10 anos — salvo se houver motivo justo. Afinal, a jurisprudência dominante diz que o pagamento mensal desta parcela tem como efeito sua incorporação ao salário. Amparada nesta linha de raciocínio, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul manteve decisão de primeiro grau que condenou o Hospital Beneficente Dr. César Santos, de Passo Fundo, a incorporar ao salário de uma funcionária a gratificação que lhe fora paga por mais de década, a título de cargo de confiança.
A vantagem está prevista no Decreto Municipal 64/1995 — "editado com afronta ao processo legislativo", segundo o empregador, que pediu a reforma da sentença. O julgamento ocorreu no dia 10 de fevereiro. Cabe recurso.
No seu arrazoado, a juíza Paula Silva Rovani Weiler, da 2ª Vara do Trabalho de Passo Fundo, disse não restar dúvidas de que a criação de cargos é atribuição do Poder Legislativo de cada esfera da federação — mas esta deve guardar simetria com o que dispõe a lei maior. Embora ciente do vício de forma que contaminou o Decreto 64/1995, desde a sua origem, não se pode esquecer que os funcionários nomeados para as funções gratificadas de supervisor, chefe de área e chefe de setor continuam no exercício das atividades relacionadas ao posto de chefia que exercem. Segundo a magistrada, é salutar considerar que os princípios basilares do Direito do Trabalho e do Direito Constitucional asseguram aos indivíduos a irredutibilidade de seus vencimentos, bem assim o direito à contraprestação adequada ao trabalho realizado.
"Sabe-se que todas as regras constantes no ordenamento jurídico devem ser interpretadas tendo em vista os princípios que o norteiam. São os princípios que inspiram a forma de interpretar determinadas regras, tendo em vista que servem de fundamento a sua aplicação, em face de sua baixa densidade normativa e alto grau de abstração."
O representante do Ministério Público do Trabalho (MPT) seguiu a mesma linha, endossando o parecer da juíza. Referiu que, não obstante a irregularidade formal na legislação instituidora das gratificações, a supressão do seu pagamento afronta ao inciso IV, do artigo 7º, da atual Carta Constitucional, além de vulnerar o artigo 468 consolidado. "Nestas condições", concluiu o representante do MPT, "não resta válida a extinção da função de confiança paga aos empregados celetistas, cujo conteúdo ocupacional, no caso, não foi objeto de alteração".
Em outras palavras: a supressão de gratificação paga, sem qualquer interrupção por anos a fio, configura alteração ilícita do contrato de trabalho, vedada pelo artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim como afronta o princípio da irredutibilidade salarial, a que alude o artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal.
A relatora da matéria no TRT-RS, desembargadora Tânia Maciel de Souza, citou as mesmas razões da juíza ao negar o recurso do empregador, que se insurgiu contra a decisão que beneficiou a empregada. Segundo ela, é entendimento dominante na jurisprudência que o pagamento habitual da parcela tem como efeito sua incorporação ao salário. "O exercício prolongado de cargo de confiança, com o recebimento da correspondente gratificação, configura a estabilidade financeira, impossibilitando a supressão da parcela pelo empregador."
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