segunda-feira, 21 de março de 2011

Em decisão inédita o TJ-SP reconhece direito de homem receber pensão de ex-companheiro até se recuperar financeiramente e retomar a indepêndencia econômica

É possível haver obrigação alimentar em união estável homoafetiva? O abacaxi foi colocado na mão do Tribunal de Justiça de São Paulo. A conservadora corte paulista respondeu com um "sim", inovando na jurisprudência. Em uma decisão inédita, determinou, em caráter liminar, que o ex-parceiro pague pensão alimentícia ao seu ex-companheiro no valor de R$ 2 mil, até o julgamento final da ação principal. O parceiro condenado recorreu. A decisão é da 9ª Câmara de Direito Privado.
O caso foi discutido em recurso apresentado na ação em que se discute a dissolução de união estável homoafetiva. A turma julgadora, por maioria de votos, entendeu que é devido o pagamento de alimentos na hipótese de união estável homoafetiva quando estão presentes a necessidade e a possibilidade. O processo corre na 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da capital paulista.
A Constituição Federal estabelece a proteção do Estado à união estável. No entanto, considera que esta se faz entre homem e mulher. Ainda diz que o Estado deve facilitar a conversão da união estável em casamento. O tribunal paulista entendeu que, apesar de não haver previsão legal, a pensão alimentícia era devida diante da dificuldade financeira vivida hoje por um dos homens e da evidência da relação pública contínua e duradoura entre o ex-casal homossexual.
O relator do recurso, desembargador João Carlos Garcia, argumentou que os fatos demonstram semelhança com valores já reconhecidos pela Justiça, como, por exemplo, a união estável. Disse ainda que a relação de casal do mesmo sexo pode ser recebida no mundo jurídico por meio da analogia e de princípios jurídicos.
Para o relator, quando há um fato social relevante, como é o caso em discussão, a falta de norma legislativa expressa não pode impedir o interesse e o reconhecimento do direito. Ele citou orientação recente da Receita Federal que confere ao casal homoafetivo o mesmo direito dado aos casais formalmente casados e aos conviventes.
"Este cenário evidencia associação de pessoas unidas pela intimidade afetiva, com deveres recíprocos e projeto comum de convivência duradoura, firmados em sentimentos de afeto e solidariedade, tal como se ajustam homens e mulheres no casamento, ou na união estável", afirmou o relator.
"Deveres e projeto que se assentam em propósitos consistentes e prospectivos, nitidamente distintos da efemeridade dos encontros — amorosos ou não — para satisfação fugaz da libido, assim nas relações heterossexuais como nas homossexuais; aquelas, como estas, igualmente lícitas, embora diferenciadas por opções pessoais imperscrutáveis", completou.
Para o desembargador Grava Brazil, no caso, deve prevalecer a obrigação do Estado e de todos os cidadãos de preservar a dignidade da pessoa humana sem qualquer tipo de discriminação. Ele destacou que a pretensão do autor da ação é conseguir seu sustento por tempo suficiente de se recuperar financeiramente e retomar sua independência econômica. "Há razoabilidade na pretensão, justificando seu acolhimento", justificou em seu voto o desembargador.
A divergência teve como defensor o desembargador José Luiz Gavião de Almeida. Ele sustentou que a união estável exige, como requisito para a sua configuração, a existência de relacionamento entre pessoas de sexo oposto. Segundo ele, os relacionamentos homossexuais são regulados por regras das sociedades de fato e, para Gavião de Almeida, a sociedade de fato não deve ser confundida com a união estável. "Há precedentes, é verdade, que esboçaram reconhecimento da união estável entre homossexuais apenas com efeitos patrimoniais."
De acordo com Gavião de Almeida, para se configurar a união estável é exigida a convivência duradoura pública com a intenção de constituir família. "Neste caso, os bens são partilhados igualitariamente entre os companheiros, sem que se investigue qual foi a efetiva contribuição na aquisição do patrimônio", afirmou o desembargador. Por outro lado, declarou, a sociedade de fato se dissolve pelas regras do direito obrigacional, exigindo prova da efetiva contribuição na aquisição dos bens para que eles possam ser compartilhados entre os ex-sócios.
"Portanto, como o sistema legal só reconhece a união estável existente entre pessoas de sexo oposto é juridicamente impossível fundamentar um pedido de alimentos em uma união estável homoafetiva", concluiu Gavião de Almeida.

Nenhum comentário: